Angola. Um processo de (re)construção social : PANTA REI

04 agosto 2011

Angola. Um processo de (re)construção social



































Territórios e Esperanças na Sociedade Planetária

Edgard de Assis Carvalho[1]

As fotografias de Ruben Villanueva Rodríguez que integram esta exposição nos levam aos territórios extremos de Angola nos dias atuais. Demonstram que a imagem é, por vezes, mais contundente do que a linguagem fria de conceitos e teorias.
Todos sabemos dos desatinos cometidos pela dominação colonial na África. Etnias foram destruídas, patrimônios imemoriais considerados primitivos, exóticos, selvagens. Independentes, esses povos lutam para sobreviver e garantir seu papel, expor suas esperanças e estilos próprios diante de um mundo globalizado em que os desastres planetários ocorrem por toda parte.
As fotos integram a tese doutoral de Clara Pugnaloni, que soube integrá-las com sensibilidade e criatividade ao corpo do texto, demonstrando que a religação arte-ciência é crucial para o conjunto das ciências humanas.
O apoio do COMPLEXUS, núcleo de estudos da complexidade, à exposição ilustra o fato de que a fragmentação dos saberes está com os dias contados e a religação é a única via possível para a reforma da vida, da sociedade, da educação e do próprio pensamento.

A Representação e o Real
Clara Pugnaloni

Ruben Villanueva Rodríguez atuou em projetos humanitários em Angola para as oganizações Acção Contra a Fome (ACH) e Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), entre os anos de 2007 e 2009.  Fiel ao registro documental do sociólogo retratou não apenas recortes da vida, como os reflexos deixados pelo longo período de guerra nas veias do país. Nas veias de um povo que está ainda “a se acostumar” ao tempo de paz, à superação de tanto sofrimento e à ruptura com a submissão ao conflito. Um tempo em que é possível viver. Um tempo em que é possível também sonhar com saúde e paz, como cumprimentam os angolanos.
São expostos os resquícios de um passado recente marcado pelo conflito armado que ficou estampado nas cenas do cotidiano. Aspectos da ancestralidade e dos costumes tradicionais são revelados. Assim como paisagens que presenciaram a escravidão, a liberdade, a mortandade e, que, agora, testemunham uma nova esperança na vida.
As imagens possuem um valor estético inegável e um valor documental que enriquece o patrimônio iconográfico de Angola. As fotografias recuperam fragmentos da vida social como elementos de preservação da memória histórica. E, mais que isto, registram um período contemporâneo de reconstrução da própria maneira de viver e de se relacionar do povo.  Em um tempo em que é imprescindível a superação das antigas divergências que sustentaram o caos.

Reconstrução
Ruben Villanueva Rodríguez
O reerguimento de Angola inicou há apenas 10 anos e encerra dois processos paralelos e que correm em velocidades diametalmente opostas. Há, por um lado, a reconstrução material de infrestrutura, da economia e dos meios de produção. E, de outro, a reconstrução social  com a busca de uma identidade nacional.
A liderança na extração de pretróleo no continente africano e a posição de um dos maiores produtores mundiais de diamantes causou uma verdadeira disparada no crescimento econômico, nos últimos anos. Essa riqueza não se reflete, no entanto,  na vida da população. As diferenças sociais aumentam a um rítmo preocupante e situam Angola em 146º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, num ranking de 169 países. Atrás do Haiti.
Essa conjuntura díspar faz com que Angola seja vista, por alguns, como um caso de crescimento e recuperação exemplar, ou um novo  El Dorado. E, por outros, como prova viva de que o capitalismo selvagem e o individualismo dele resultante só aumentarão a ruptura. Alavancarão a brecha social entre os mais pobres e as novas elites urbanas em rápida expansão.
Realidade e Reflexões
  • Diversidade e riqueza étnica: ainda que o Português seja a língua oficial existem cerca de quarenta línguas nacionais e dez grupos étnicos no país. O longo período de mais de 40 anos de isolamento e as difíceis condições de acesso à extensas regiões - por falta de infraestrutura e perigo de milhões de minas antipessoais ainda hoje disseminadas por todo o seu território - tem permitido a algumas etnias conservar, quase sem interferência externa, a sua forma de vida ancestral. Os mercados locais são um dos melhores lugares para observar o encontro e as interações dessa diversidade.
  • Modernidade e modernização: a vertiginosa onda de modernização devido às emergentes indústrias petroleira e de pedras preciosas, bem como a abertura do mercado às importações, começa a mudar o modo de vida de grande parte da população. E, ao mesmo tempo, acentua as contradições entre população urbana e a população rural, ainda alheia ao novo contexto.
  • O futuro incerto: embora o redescobrimento do potencial econômico de Angola tenha atraído as atenções de países de dentro e de fora do continente africano, a realidade quotidiana mostra um panorama desencorajador. O constante apelo dos governantes à unidade no país, por meio do recurso do patriotismo e da identidade nacional, é um sintoma do perigo de ruptura ainda latente. As grandes obras - próprias do período de reconstrução - contrastam com a falta de serviços básicos como fornecimento de água, energia e  saneamento. E, sobretudo, de investimento na educação.

Ruben Villanueva Rodríguez nasceu em Barcelona em 1979. Formou-se em Sociologia pela Universidade Autònoma de Barcelona (UAB). É mestre em Estudos para o Desenvolvimento pela mesma instituição. Especializou-se em Relações Internacionais. Trabalhou em coordenação de projetos de ajuda humanitária na Guatemala, Bolívia, India e Malawi. Em Angola foi consultor das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e Acão Contra a Fome. Participou de projetos de desenvolvimento em Honduras e Moçambique.
Começou a fotografar para registro e documentação das realidades percebidas em suas ações em campo. Foi vencedor em 2010 do concurso A Água é Vida, realizado em Madri, com a foto Banho Matinal captada em Angola. As suas fotografias tem ilustrado livros e materiais de divulgação de distintos projetos de desenvolvimento ao redor do mundo.
Atualmente está baseado em Moçambique e trabalha como consultor independente para projetos relacionados com o direito à terra das populações rurais.

Fotografias e objetos:
acervo de Ruben Villanueva
acervo de Clara Pugnaloni

Realização:
Museu da Cultura
Faculdade de Ciências Socais
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Direção:
Dorothea V. Passetti

Curadoria:
Clara Pugnaloni

Organização:
Procultura Comunicação I Desenvolvimento

Apoio Institucional:
Acción Contra el Hambre – ACH International
Departamento de Ciências Socais da  PUCSP
COMPLEXUS - Núcleo de Estudos da Complexidade da PUCSP
Associação dos Ex-alunos da PUCSP


[1] Professor titular de Antropologia, coordenador do núcleo de estudos da complexidade, coordenador brasileiro da cátedra itinerante UNESCO Edgar Morin para a América Latina.

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